A (FALTA)EVOLUÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS.

Neste texto, faço uma reflexão sobre o contraste entre o avanço das ciências exatas e a lentidão das mudanças sociais. Questiono por que é tão fácil adotar novas tecnologias e tão difícil construir relações sociais mais justas e respeitosas.

RELACIONAMENTOPSICOTERAPIA

Maicon Danese

6/20/20254 min read

Oi, Humano, só na boa? Ao longo da história, assistimos a uma impressionante evolução nas ciências exatas e naturais. A física avançou da mecânica newtoniana à relatividade geral e à mecânica quântica. A matemática construiu teorias complexas que sustentam tudo, desde a tecnologia que usamos até os modelos de previsão do clima. No materialismo, desvendamos os átomos, criamos circuitos e, com eles, dispositivos que transformaram nossa forma de viver, como os smartphones.

Curiosamente, não há uma única lei que nos obrigue a comprar um iPhone (embora eu prefira Samsung), mas há filas e mais filas de pessoas tentando adquirir suas versões no lançamento. A adoção de tecnologias ocorre "quase que naturalmente", guiada pelo desejo, muitas vezes estabelecido por estratégias de marketing cada vez mais agressivas, pela utilidade, pelo status e pelas contingências do mercado.

Já para respeitar um homem em situação de rua, um desconhecido que não tenha traços familiares ou qualquer pessoa cuja identidade seja marginalizada, são necessárias inúmeras leis, regulamentos e campanhas educativas. Por quê?

A possível resposta está no sucateado campo das ciências humanas, que responde a um conjunto diferente de leis. Enquanto as ciências exatas lidam com a previsibilidade das partículas e das forças naturais, as ciências humanas lidam com a variável dinâmica e inconstante do comportamento humano, que também se constrói dentro de contextos históricos, culturais e sociais. Nesse campo, a evolução é certamente mais lenta, já que exige mudanças profundas no repertório comportamental individual e cultural.

Mas não apenas isso. Há outras desculpas, acredite! Vivemos sob o controle de padrões herdados, de interesses econômicos que perpetuam desigualdades e de uma estrutura que frequentemente privilegia a manutenção do status atual.

Humanos, quero destacar uma coisa: quando usei "interesses econômicos que perpetuam desigualdades", a referência está em uma estrutura que é mantida para fornecer acumulação aos detentores de maior poder econômico. O Seu João, dono da pequena loja de sapatos, ou a Dona Patrícia, que tem um mercado que atende a cidade do interior, eles não são o topo da pirâmide, não se preocupem. Se você está lendo o meu texto, então certamente é tão trabalhador quanto eu. Estamos mais próximos do homem em situação de rua do que do mais pobre bilionário do planeta. Fique em paz.

É reforçador ter o acesso mantido a tudo aquilo que sentimos ser essencial, ainda que a ideia de essência tenha sido distorcida.

A desigualdade é um sintoma característico de como nos relacionamos e concebemos a realidade, não o contrário. Meu avô dizia: "Eu era criança e diziam que a desigualdade, a fome e coisas assim iriam mudar."

É interessante. Criou-se um universo de tecnologias que dão acesso a maneiras otimizadas de lidar com problemas complexos… ah, estava me esquecendo, essas tecnologias fornecem resultado financeiro. Retomando, a dificuldade que disseram para o meu avô que iria mudar continua dando sinais de que está mais viva do que nunca.

Pode ser que um geneticista apresente uma resposta taxativa sobre os determinantes do comportamento humano. Não questiono a implicação significativa que há – é fato. Entretanto, deve-se manter viva a leitura de que o homem é um ser biopsicossocial (e espiritual, para muitos). Cada uma dessas camadas exige investimento, cuidado e atenção.

O universo que está embaixo da pele existiu do lado de fora primeiro, no modo como as relações foram se estabelecendo. Usamos a relação com o mundo material para dar vida ao universo subjetivo que habitamos. É fácil dar exemplos: meu estômago está queimando, senti uma pontada no peito, minha mão está gelada, minha cabeça não para de pensar. Todas essas expressões reforçam (não provam, pois o objetivo não é ser taxativo) como o ambiente tem papel fundamental na maneira como aquilo que experimentamos vai se tornando parte de quem somos. Pesado, né?

Portanto, compreender que as desigualdades não são traços inevitáveis do ser humano, mas produtos de como nos relacionamos, é um passo importante. Se a forma como vivemos reflete nosso repertório, cabe a nós construir condições e práticas sociais que permitam mudar essa realidade. É nessa construção que reside a verdadeira revolução.

Texto finalizado dia 20/01/2025

Olha eu aqui de novo...

Humano, depois que finalizei o texto, surgiram outras reflexões. Uma delas é: qual o nosso papel diante disso tudo? Será que o psicólogo clínico tem espaço nesse debate?

Foi aí que o texto anterior se mostrou valioso novamente. Por qual razão eu seria levado a me sentir ansioso por dar um fechamento a um texto que tem como propósito servir de reflexão para colegas e interessados? Sei que isso é importante, mas, ao me observar, percebi a necessidade de apresentar uma conclusão que pudesse ser um desfecho genial – tipo aquele final de novela ou de série que surpreende e, ao mesmo tempo, mantém a coerência com o que foi apresentado.

Acho que é exatamente nesse ponto da reflexão que mora o produto e a conclusão: os encontros e diálogos são partes de processos. Não existe uma mudança ou conclusão de algo apenas porque se chegou a uma opinião sensata e atraente.

E está tudo bem.

Isso me fez lembrar de quantas sessões já foram preenchidas por assuntos aparentemente triviais, mas que produziram impactos profundos e significativos no estabelecimento de procedimentos importantes. E aqui quero deixar claro: eu evitei a expressão "procedimentos eficazes" propositalmente. Por quê? Porque eficácia não é algo universal.

Alguns procedimentos possuem embasamentos teóricos amplos e são amplamente aplicados. No entanto, o sujeito que experimenta o procedimento carrega consigo variáveis particulares, um ambiente vivo e um momento ímpar. Isso significa que não há "procedimentos eficazes". Há procedimentos que são úteis para x, mas não para y.

E, de novo, está tudo bem.

Enquanto psicólogos, participamos de processos, e esses processos são tão dinâmicos e únicos quanto as pessoas que os vivenciam. Talvez a maior contribuição que possamos oferecer nesse debate seja a nossa habilidade de promover reflexões sobre as relações sociais, acolher subjetividades e ampliar a disponibilidade do conhecimento aos contextos que necessitam de suporte.

Por isso, não se preocupe se o final não for genial ou grandioso. Muitas vezes, o impacto mais significativo está naquilo que parece pequeno e cotidiano, mas que, para o outro, é a peça que faltava no quebra-cabeça.

E assim, seguimos. Sem pressa para concluir. Com tempo para continuar.

Agora sim, um desfecho genial. Fui!